quarta-feira, 16 de maio de 2012

Não é racismo, é exoticismo

Quando a gente é pequeno por escolha, deixamos que outro vire gigante.
Outro dia, vi dois gigantes enormes, com suas roupas iguais, esmagando um pequenino que pedia carinho: - Uma esmola, por favor...
Indaguei: - Por que o esmagam?
OS GIGANTES: - É o nosso trabalho. Pode seguir, senhor, que sabemos o que estamos fazendo.
Meu ser negou-se a ir e por inteiro presente fiquei. Não conseguia entender o porquê de tanta violência. Minha presença constrangeu os Gigantes, que deixaram o outro ir.

Foi bem ali, na Praça dos Barcos, onde tudo aconteceu. Algo me chamou atenção: todos padeciam de cegueira, só eu vi aquela cena com espanto e horror. Tinha um senhor do meu lado que, olhando para a situação, gargalhava. Eu, não entendendo por quê o riso, perguntei: que graça tem em um pequenino ser esmagado? O senhor ficou sério, de repente chateado por eu ter interrompido o seu divertimento.

Outra coisa que me chamou atenção - mas isso já um faz tempo, sabe - é que quando estou no ônibus, as pessoas não costumam sentar do meu lado. Alguns dizem que é por causa da minha aparência exótica, meus cabelos embolados e meus brincos de madeira. Quando perguntei para as pessoas se não era racismo, elas disseram que não, é só por que eu sou exótico e isso causa um estranhamento (eu sou brechtiano!).

Para resolver o erro de ser quem sou e como sou, decidi iniciar a campanha PODE SENTAR DO MEU LADO NO ÔNIBUS. Estou para encomendar a camiseta. Porém, fui alertado que isso pode causar um processo inverso, e eu possa vir a ser esmagado também. Podem considerar minha frase ofensiva, preconceituosa, e as pessoas podem por fim se sentirem coagidas e, com todo o direito, me processarem. Eu desconfio que aí mora a origem da cegueira: a gente vê esse “equívoco” acontecendo, tenta resolver e vê que as nossas ações podem causar mais equívocos, então opta pelo silêncio e finge não ver o que a gente está vendo, para ser aceito e não incomodar. Afinal, ninguém que ser a pessoa que dá escândalos e faz barracos.

Um dia desses, uma amiga e eu estávamos no ponto de ônibus, conversando, e em um determinado momento ela me mostrou que tinha um senhor convocando as pessoas no ponto para rirem de mim. Ele apontava para o meu cabelo e minha cor. Lembrei das pessoas que me advertiam que não era racismo e sim o fato de eu ser exótico; e isso me tranquilizou, sabe. Afinal, o povo negro tem mania de ver racismo em tudo. Então, só por divertimento mesmo, gritei: “Olha, isso tem nome, é racismo!” E eu confesso, sou péssimo para piadas; ninguém achou graça, todos pararam de rir. Pegamos uma van e um rapaz que estava no ponto rindo de mim sentou-se ao nosso lado. Ouvindo minha conversa com minha amiga sobre o que tinha acontecido, disse ele em tom de conforto: “Toda vez que isso acontecer, não se sintam inferiorizados, vocês tem é que ficar felizes com isso!”

Tem gente que diz que os gigantes não existem e que é tudo mania de perseguição. Será que é? Lembrei de uma história que diz:
Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.


Robson Freire