quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Jesus o Gonçalense

O Governado Cabra Serginiano decretou no seu governo o recenseamento de todas as famílias do estado. Todos tinham que ir ao centro da cidade... E de manhã bem cedo, Maria e José saem de São Gonçalo e vão para o recenseamento. Ao chegarem, encontram muito tumulto, pessoas de todo o estado estavam ali. Passaram o dia todo na fila até conseguirem se recadastrar.

Maria, com uma barriga enorme de 9 meses, caminhava bem devagar. Vendo José que não teria como voltar pra casa por causa da greve dos ônibus que se instalou na cidade e que Maria podia dar à luz a qualquer momento, decidiu procurar um hotelzinho onde pudessem passar a noite. Foram de hotel em hotel, e a resposta era sempre a mesma: NÃO HÁ VAGAS!

Avistaram um hotelzinho e foram lá tentar a sorte. Uma recepcionista foi logo falando de forma abrupta: Estamos lotados!

José: Senhora, minha esposa está grávida...

Recepcionista (interrompendo): se ela está grávida, então o que precisa é de um hospital, e não um hotel. (mais grossa ainda) Lamento, não há vagas!

José: Obrigado, senhora!

E seguiram a caminhada. Maria começou a sentir dores e José a levou ao hospital mais próximo. Deparou-se com uma fila gigantesca, e um dos seguranças gritou: NÃO HÁ MÉDICOS!

Maria (com lágrimas nos olhos): e agora José?!

José a acaricia no rosto e diz: Vai dar tudo certo, Nega.

Caminharam em busca de outro hospital; começou a chover muito forte e Maria não aguentava mais andar. Buscaram então abrigo embaixo de um viaduto. José recolheu papelões e improvisou uma cama. Mendigos que dormiam ali acordaram com os gritos de Maria e os ajudaram como puderam. E foi assim, desse jeitinho, que nasceu o personagem principal e real de nossa história: Jesus, o Gonçalense...

Ele foi crescendo em tamanho e sabedoria até alcançar a maioridade, e percebendo sempre a condição em que se encontrava seu povo, de profunda exploração e miséria.

***

Um dia Jesus, o Gonçalense, vê sua mãe lavar roupas conversando com as vizinhas e descobre que seu primo João, mais conhecido como "o hippie", estava na Praia da Luz com um grupo que vivia em comunidade. Conversando com ele, o achou duro demais e bastante severo. Jesus tinha no mais íntimo a imagem de um Deus que fosse amoroso, mais preocupado com o homem do que com o ascetismo de uma religião.

Com o passar do tempo, Jesus vai percebendo cada vez mais o sentido de sua existência; cresce na sua relação com Deus e se envolve profundamente com as causas de seu povo.

Ele ouve falar que seu primo João discursa todos os dias na praia da Luz e vai até lá, onde é batizado e inicia sua vida pública.

Diz João, o "hippie": Este é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo...

Nesse dia, o Gonçalense ganha dois seguidores, que testemunharam seu batismo. Ele apelidou os dois irmãos de “filhos do trovão”...

Assim tem início as caminhadas de cidade em cidade, de casa em casa, fazendo companheiros e admiradores...

***

Disse o Inquisidor do estado: Esse tal de Jesus Gonçalense é por demais ousado... Ao invés de dar leis pras pessoas viverem, como elas mesmas esperavam, ele lhes dá a liberdade. Dá o que há de mais perigoso...

Jesus, o Gonçalense, subverteu a ordem vigente. “Como pode alguém que nasceu em São Gonçalo ser rei ou presidente? Um simples catador de papelão!”, zombavam.

“Sai alguma coisa boa de São Gonçalo?”, gritavam os religiosos.

Jesus, ouvindo o que os religiosos e políticos corruptos falavam, levantou-se no meio da Praça da Marisa e discursou para os camelôs e as pessoas que passavam por ali: No meu reino, as prostitutas, os homossexuais, os pobres, as crianças, os velhos e todos os menosprezados e marginalizados são os primeiros, e o maior é aquele que serve...

Ele falava de um tempo novo, que nasce no agora; onde o outro é o outro e os homens e mulheres vivem de forma integral a sua humanidade. E dizia: Esse tempo se constrói no dia a dia, na expressão de sua liberdade.

Ele anunciava uma nova forma de sociedade, em que a solidariedade e a busca pela justiça resultam na erradicação da miséria, da fome, e de todo tipo de preconceito. Ninguém mais vive apenas para si, mas para e com o outro, sem anular a sua própria identidade. Cada um desempenha papel insubstituível na construção dessa comunidade planetária, em que a beleza e a alegria são coletivas, e os recursos estão à disposição de todos.

Nesse reino, a lei que governa é o amor.

Esse Jesus, o Gonçalense, era um rebelde, político e alguns até o chamavam de beberrão... Denunciou os políticos corruptos e os caciques da má vontade, que com tantas regras e leis que inventam, acabam afastando o povo de Deus. E anunciou que quem quiser ver Deus é só olhar pro outro e que esse era o caminho pra se chegar a Deus.

Anunciou que Deus não estava ali pra apontar pecados e fazer acusações, mas estava muito mais preocupado com o ser humano, olhando mais pra o bem que o homem faz do que para o mal. Mas em momento algum Jesus tapou o sol com a peneira. Ele falou ao coração do povo e o povo falou ao seu coração.

Anunciou bem alto pra quem quis ouvir que ele era “Deus de Deus”, um Deus tão apaixonado pelo homem que se fez homem...

Mergulhou no mais profundo do ser humano.

Mergulhou numa cultura, num tempo, numa história.

Ele tinha cor,

Raça e

Religião...

Ele chorou, suou, comeu, bebeu, dançou, se entristeceu, sorriu, pensou, brincou: ele foi homem.

E como consequência de seu engajamento político e da forma com que ousava falar de Deus, foi preso e torturado até a morte, morte de cruz.

Ao terceiro dia, ressuscitou.

É muito importante a sua ressurreição, porque ele morrendo, morria junto a utopia que ele anunciou, mas ele ressurge dos mortos dando vida e esperança a todos nós. Assim, a esperança não morre, mas ela tem o poder de ressuscitar sonhos mortos.

Olhar para a cruz é olhar para a Utopia anunciada por Jesus o Gonçalense.
Olhar para a cruz tem sentido para aqueles que ouviram suas palavras de um dia melhor, mas esse dia começa no agora, na forma de se relacionar com o outro, com Deus, com a natureza e consigo mesmo, fazendo de cada um o protagonista de sua história.

Todo aquele que acredita em mudanças e em um outro mundo possível se faz participante desta utopia. E ainda que utopia signifique um “lugar sem lugar”, que sejamos nós este lugar; sejamos moradas de sonhos.

Eu creio na ressurreição dos mortos!

Robson Freire e Aline Bentes

9 comentários:

  1. Ficou a admirição, por cada palavra escrita....
    Aaiii eu amo ler o que vc escreve =)
    E a história de Cristo ilustrada nos tempos de hoje, é incrível
    parabéns amigo!
    Felicidas pra nós
    Feliz Natal, Espero ver-te novamente em 2011. e que esse seja um ano melhor, que possamos faze-lo melhor
    luz e paz
    uns beijos!

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  2. Caminhando pelo blog da Sara Bentes cheguei aqui. Que bom que cheguei! Que prazer ler um texto assim tão belo, tão real! Você trouxe Jesus pra tão perto de nós!
    Parabéns
    Dalva

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  3. Que lindo esse texto! Gostei muito! Acho muito interessante e importante a forma como você traz os ensinamentos do Cristianismo para o nosso cotidiano, tornando-os mais reais.
    Você é muito bom. Eu é que fico feliz em ser sua amiga.

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  4. Ual, adorei o texto.

    Um ótimo 2011 para você!

    Beijos

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  5. Acredito no Deus da Liberdade e das cores exatamente como você descreve no texto.
    Sinto e vejo claramente a vida e a caminhada de cristo em suas palavras refletida n@s muit@s que são excluid@s e explorad@s...
    Um Jesus que é e está com o povo pobre de São Gonçalo, de Fortaleza aqui na Barra do Ceará - Cimpelco e em tantos outros lugares....
    O texto traz para além de uma reflexão... nos faz perceber e acreditar que um outro mundo é possível e que temos um Deus sempre junto de nós, nos fortalecendo a cada instante na presença d@ outr@...
    Adorei o texto!!!!
    Márcia Alves
    Fortaleza - Ceará

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  6. Muito Criativo, nos traz a reflexão do natal para os dias de hoje. Todo dia é Natal, e não adianta se coninuamos os mesmos de antes. Seja a dois mil anos ou hoje, que entendamos a mensagem verdadeira do NATAL!

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  7. Achei lindo. Simplesmente lindo. De coração, lindo! É simples, é verdadeiro, é cheio de inspiração, é próprio, singular, pura imaginação e criatividade, é bom para a leitura, bom pra alma, bom pro coração e fortalece a fé. Como disse, achei lindo! não tenho outra palavra que o defina melhor: lindo - demais! =)

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  8. Que texto inspirado!!!!
    Singelo...bonito e rico em criatividade!!!
    Que Deus os abençoe cada vez mais...que possam deixar sua criatividade ser esse veículo do Amor de Cristo, da verdade da Cruz a todos!!! Glória a Deus pelo dom e pela criatividade de vcs!!...

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