Quando
a gente é pequeno por escolha, deixamos que outro vire gigante.
Outro
dia, vi dois gigantes enormes, com suas roupas iguais, esmagando um
pequenino que pedia carinho: - Uma esmola, por favor...
Indaguei:
- Por que o esmagam?
OS
GIGANTES: - É o nosso
trabalho. Pode seguir, senhor, que
sabemos o que estamos fazendo.
Meu
ser negou-se a ir e por inteiro presente fiquei. Não conseguia
entender o porquê de tanta violência. Minha presença constrangeu
os Gigantes, que deixaram o outro ir.
Foi
bem ali, na Praça dos Barcos, onde tudo aconteceu. Algo me chamou
atenção: todos padeciam de cegueira, só eu vi aquela cena com
espanto e horror. Tinha um senhor do meu lado que, olhando para a
situação, gargalhava. Eu, não entendendo por quê o riso,
perguntei: que graça tem em um pequenino ser esmagado? O senhor
ficou sério, de repente chateado por eu ter interrompido o seu
divertimento.
Outra
coisa que me chamou atenção - mas isso já um faz tempo, sabe - é
que quando estou no ônibus, as pessoas não costumam sentar do meu
lado. Alguns dizem que é por causa da minha aparência exótica,
meus cabelos embolados e meus brincos de madeira. Quando perguntei
para as pessoas se não era racismo, elas disseram que não, é só
por que eu sou exótico e isso causa um estranhamento (eu sou
brechtiano!).
Para
resolver o erro de ser quem sou e como sou, decidi iniciar a campanha
PODE SENTAR DO MEU LADO NO ÔNIBUS.
Estou para encomendar a camiseta. Porém, fui alertado que isso pode
causar um processo inverso, e eu possa vir a ser esmagado também.
Podem considerar minha frase ofensiva, preconceituosa, e as pessoas
podem por fim se sentirem coagidas e, com todo o direito, me
processarem. Eu desconfio que aí mora a origem da cegueira: a gente
vê esse “equívoco” acontecendo, tenta resolver e vê que as
nossas ações podem causar mais equívocos, então opta pelo
silêncio e finge não ver o que a gente está vendo, para ser aceito
e não incomodar. Afinal, ninguém que ser a pessoa que dá
escândalos e faz barracos.
Um
dia desses, uma amiga e eu estávamos no ponto de ônibus,
conversando, e em um determinado momento ela me mostrou que tinha um
senhor convocando as pessoas no ponto para rirem de mim. Ele apontava
para o meu cabelo e minha cor. Lembrei das pessoas que me advertiam
que não era racismo e sim o fato de eu ser exótico; e isso me
tranquilizou, sabe. Afinal, o povo negro tem mania de ver racismo em
tudo. Então, só por divertimento mesmo, gritei: “Olha, isso tem
nome, é racismo!” E eu confesso, sou péssimo para piadas; ninguém
achou graça, todos pararam de rir. Pegamos uma van e um rapaz que
estava no ponto rindo de mim sentou-se ao nosso lado. Ouvindo minha
conversa com minha amiga sobre o que tinha acontecido, disse ele em
tom de conforto: “Toda vez que isso acontecer, não se sintam
inferiorizados, vocês tem é que ficar felizes com isso!”
Tem
gente que diz que os gigantes não existem e que é tudo mania de
perseguição. Será que é? Lembrei de uma história que diz:
“Na
primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E
não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as
flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o
mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não
podemos dizer nada.”
Robson
Freire
Eles são gigantes mesmo ou parecem gigantes se nos encolhemos?
ResponderExcluir"...em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar."
Continue bretchiano.
Eu sento do seu lado no busao sim!
ResponderExcluirGostei, gostei!!
eeeeee Aipim! Saudades de tu!
ResponderExcluirSó agora li seu texto, q por sinal é maravilhoso como todos os outros!